A caminho do trigésimo quarto aniversário da revolta dos capitães de Abril de 1974, (pomposamente apelidada de revolução dos cravos), importa necessariamente fazer um balanço, isento de partidarismos, sobre o longo caminho percorrido desde aquela data, realçando e agradecendo o bom que foi introduzido, no país e na sociedade, sem nunca perder a coragem e a frontalidade de criticar veementemente todo o mal e o muito mal que debilitou, ontem e hoje, a nação portuguesa e a sua população.
Vejamos o lado bom: Portugal deixou de ser um país politicamente isolado, para transformar-se, no ano de 1986, em mais um Estado membro do (até ontem) reservado clube da UE, com direito a numerosas ajudas comunitárias ($$$$$), que totalizam hoje uma soma de dinheiro literalmente colossal (e de que ninguém fala !). Com parte dessas verbas, construíram-se algumas escolas, hospitais, estradas e auto-estradas e pouco mais. Distribuíram-se determinados subsídios a fundo perdido, onde filhos e enteados lutaram em desigualdade de circunstâncias para receberem uma “fatia do bolo”. No mesmo período, adquiriram-se frotas inteiras de viaturas (de luxo) ao serviço da máquina administrativa do Estado e seus demais organismos tentaculares e respectivos responsáveis, (com sabor a clientelismo). Nasceram diversos bancos, autênticos campeões de enriquecimento rápido e altamente consequente. Mandaram-se construir por todo o país (e não só), luxuosas vivendas e sumptuosas propriedades (que nem sempre o povo vê), criaram-se sociedade e contas bancárias “off shore”, ou paraísos fiscais (para quem pode) e mais algumas coisas do género. É caso para perguntarmos onde andará o remanescente dessa soma colossal de dinheiro. Alguém tem ideia ??? Alguém prestou contas ???
Vejamos agora o outro lado: O lado menos bom. Portugal deixou de ser um país rico (não se lembram da “pesada herança”?) que somava aproximadamente 970 toneladas de ouro, acrescidas das importantíssimas reservas financeiras, para se transformar, (já com grande parte do seu ouro derretido, não se sabe bem como), num país endividado até às duas próximas gerações (pelo menos), e cuja população também se encontra credora de tudo e todos, (ninguém sabe até quando), o que não impede a proliferação de empresas de crédito imediato com simples consulta telefónica e com a cumplicidade do Estado. Curiosamente, ou não, o exuberante enriquecimento dos bancos, encontra-se inversamente proporcional ao empobrecimento agravado da população. O insuspeito INE indicou haver quase 20% da população a viver num estado muito próximo da pobreza (menos que 365 euros por mês). Exceptuando os prédio novos, propriedades das numerosas multinacionais que chegaram em força (quase sempre com ajudas chorudas), e tantos outros, onde estão instalados departamentos do Estado, encontramos de Norte a Sul do país, milhares de carcassas de casas destruídas, embargadas ou inacabadas, prédios e casas desabitados e/ou em ruína, até mesmo nas avenidas mais emblemáticas do país! Paralelamente a estes imóveis supostamente residenciais, encontramos de lés a lés e também por milhares, antigas fábricas e outros edifícios que outrora albergavam inúmeras empresas e seus respectivos empregados. Consequência directa, os desempregados e os excluídos da sociedade de consumo, somam mais de meio milhão de pessoas que ficam entregues à sua sorte. Assistimos à desertificação das zonas rurais e ao envelhecimento das suas populações, (no resto do país, também). Está definitivamente declarada a morte a prazo do que ainda sobra da indústria pesqueira e conserveira nacional, como já foi infelizmente o caso da marinha mercante portuguesa. As ruas citadinas e respectivos passeios de calçada portuguesa, as estradas nacionais e secundárias, encontram-se vergonhosa e perigosamente esburacadas e com graves deficiências de sinalização vertical e horizontal. Já repararam que as tampas de esgotos nunca estão ao nível do alcatrão ? (coisas que lá fora raramente acontece!). A maior parte dos pisos da modesta rede de auto-estradas, (cuja portagens são pagas a peso de ouro pelos seus utilizadores) deixam muito a desejar. Aliás, hoje em dia, gasta-se mais com o valor da portagem do que com o próprio combustível. Muitas pontes rodoviárias sobre rios, encontram-se em mau estado de manutenção, colocando fatalmente em risco a vida dos automobilistas e respectivos ocupantes (quem não se lembra da incomensurável tragédia de Entre-os-Rios, que ceifou a vida de cinquenta e nove pessoas e enlutou ainda muitas mais?). Quem entende e aceita o aparecimento de uma emigração massiva e de legalidade duvidosa, vinda de além mar ou do leste europeu e o aumento drástico do número de sem abrigos que já ninguém vê, seja por vergonha, por incapacidade de prestar qualquer ajuda ou ainda por falta de tempo ? Quem sabe verdadeiramente qual a situação real quanto à proliferação das diversas drogas e a dos drogados (aliás cada vez mais jovens), das bebedeiras colectivas da actual juventude, da sua postura perante o sexo, a sexualidade e as DST (doenças sexualmente transmissíveis)? Quem, nos adultos em geral e nos pais em particular, tem realmente consciência da demonstração gratuita de violência presente 24 horas por dia na Internet ? Comparem os índices de criminalidade leve e agravada dos últimos dez / vinte anos que são verdadeiramente assustadores !! Durante esses dez / vinte anos, quantos morreram ou ficaram marcados para o resto da vida nas estradas portuguesas, onde cada condutor tem natural e sistematicamente a arrogância de atribuir a si próprio uma “razão” que raramente tem, enquanto dirige os seus baixos insultos e outros gestos obscenos aos outros condutores ? Basta sentar um português atrás de um volante, para o transformar num verdadeiro e perigoso rei e dono absoluto do asfalto e da prioridade ! (isso, sem falar dos táxis e seus motoristas, supostamente profissionais). Sobre a vergonhosa problemática do alastramento da corrupção, activa e passiva, assim como da inexplicável impunidade dos seus autores, qual a conclusão que se pode tirar ? Certamente a mesma relativamente à extrema lentidão da justiça, que, além do tempo anormalmente longo para pronunciar uma sentença e do consequente desespero dos muitos queixosos, nem sempre é capaz de honrar o ambicionado sentido de justiça para o qual foi criada.
Quem consegue entender que o Estado seja prioritário para receber os dinheiros ditos públicos, quando ele é o pior dos pagadores? Quem consegue entender que o Estado tenha ao seu dispor todos os meios e mais alguns para cobrar o que se lhe deve e não seja minimamente capaz de disciplinar o mercado, a bem da saúde financeira dos agentes económicos, que vendem bens e serviços a uma clientela que honra cada vez menos os seus compromissos e, verdade seja dita, num clima de total impunidade?
Como aceitar que, consequentemente, Portugal seja considerado nos mercados internacionais como sendo um país de alto risco e de pouca credibilidade, sem que quem de direito, faça alguma coisa para contrariar tal vergonhosa situação ?
Como entender que determinados empresários estrangeiros instalados neste país, tal como as lojas chinesas, entre outras, possam beneficiar de vantagens fiscais que os jovens empresários nacionais não possam legalmente usufruir ?
Porque se aceita pacificamente o facto de que os ricos (grupos e indivíduos), sejam cada vez mais ricos e poderosos, enquanto no mesmo espaço de tempo, a esmagadora maioria da população empobrece e se endivida a olhos vistos, passando cada vez mais por dificuldades sérias e inéditas ?
Como se explica que haja pessoas a morrer regularmente na sequência da incompreensível remodelação operada no campo da saúde, sem que as reclamações de familiares e amigos passem de meros lamentos de rua e não se vislumbre sequer uma resposta adequada pelas respectivas autoridades do sector ?
Como entender que as leis portuguesas sejam maioritariamente redigidas de forma a permitir interpretações diferentes, quando não opostas, consoante se trate da actuação da defesa ou do Ministério Público?
Porque razão, aos cidadãos anónimos, é legalmente exigida, uma responsabilidade civil e criminal dos seus actos, nomeadamente profissional, além de responderem perante as suas legítimas chefias sobre o resultado da sua actuação laboral e não existe incompreensivelmente idêntica obrigação para com a classe política, sejam eles chefes de gabinete, secretários de Estado e ministros, entre outros individualidades, inequivocamente responsáveis pelo estado, no mínimo calamitoso, em que o país se encontra ?
Como entender que o nível de vida, (o visível e o invisível) dos políticos em geral, seja claramente superior ao da média nacional dos particulares e o mesmo seja conseguido num prazo de tempo normalmente bastante mais curto do que o do comum dos mortais, quando consegue lá chegar ?
A primeira razão de todos esses males e injustiças, é curiosa e infelizmente simples e está ao alcance da compreensão de todos. Salvo raras excepções, nestes tais trinta e quatro anos, este país tem sido sucessivamente governado por pessoas que sempre colocaram os interesses partidários e particulares, muito acima dos interesses nacionais e cuja capacidade real em governar pode questionar-se com toda a legitimidade. Para agravar ainda mais este já triste panorama, o povo (dito soberano), tem ainda que suportar, além do incumprimento das numerosas promessas feitas, uma insuportável e desmedida arrogância dos ditos governantes e constatar, (quando pode), que se não sabem ou não querem governar de uma forma politicamente correcta os assuntos do país, sabem todavia governar eficazmente no domínio privado dos seus interesses pessoais, mormente os de âmbito financeiro e patrimonial. Mas nem tudo vai mal nesta casta particular dos profissionais da política, pois, todos eles, sem excepção, sabem e não se coíbem, há mais de trinta anos, de pedir e/ou exigir eternos e crescentes sacrifícios a uma população cansada, descrente, empobrecida e surpreendentemente pessimista quanto ao seu futuro a médio e curto prazo. Por muito que a população consiga apertar cada vez mais o cinto, sofrendo na pele o peso dos constantes sacrifícios impostos, mais periclitante ainda se torna o estado da nação ! Mas afinal, por onde vai toda a criação de riqueza penosamente conseguida ao longo destes mesmos trinta e quatro anos, por esta mais do que obediente população ?
A segunda razão de todos esses males e injustiças, é a forma demasiadamente fatalista e pacifica de todo um povo que, enquanto verifica e sofre na pele e na carteira as consequências crescentes de uma governação fantasista, ineficaz e altamente instrumentalizada pelos numerosos e implacáveis grupos de influências, limita-se apenas e tão somente a reclamar timidamente e/ou a mandar bocas “foleiras”, em vez de utilizar uma razoável listagem de meios eficazes ao seu dispor, capazes de pressionar e obrigar eficazmente o poder na sua forma autista e egoísta para gerir eficientemente esta sacrificada nação, mas agora e finalmente, em prol dos actuais penalizados contribuintes.
É claro que ninguém está aqui a apelar, de uma forma generalizada, ao boicote fiscal, incondicional da população, na sua qualidade de contribuinte, seja em termos de impostos, directos e indirectos, de juros, de coimas, de multas diversas e outros regalias que alimentam sempre e incansavelmente os insaciáveis cofres do Estado.
Mas uma coisa é certa, se essa mesma população escolher persistir nesta sua actual postura, tão patética como pateta e irresponsável, deverá então preparar-se para pagar ainda mais caro uma crise fomentada e alimentada por aqueles que tiram, vergonhosa e tranquilamente proveito da mesma, em detrimento dos que a sustentam de uma forma, aliás, algo indolente, para não dizer masoquista !
A terceira e última razão desses males e injustiças flagrantes, tem a sua origem no facto de que, com o decorrer do tempo, a população confiante nos seus outrora humildes e dedicados servidores, deixou os mesmos transformarem-se em grupos de interesses pessoais e colectivos, que posteriormente se auto denominaram: partidos políticos. Para transmitir uma imagem de coerência, separaram habilmente os referidos grupos em tendências e cores políticas diferentes, dando assim origem às conhecidas e variadas facções que compõem a representação parlamentar, apoiada e supostamente legitimada por um eleitorado, também diversificado, onde encontramos nomeadamente: Esquerda e estrema Esquerda, Direita e extrema Direita, centro Esquerda, centro Direita, liberais, socio-democratas, verdes, monárquicos, democratas cristãos, e finalmente alguns independentes, no meio de tantos outros.
Resumidamente : Esquerda e Direita. Resumidamente e de uma forma ainda mais sintética : Políticos.
Esta máquina infernal, está tão bem arquitectada e montada, que já se aguenta há muito tempo e se nada for feito e empreendido com inteligência, seriedade e perseverança, esta farsa irá perpetuar-se até ao infinito, ou então, pelo menos, até ao dia em que desaparecerá, por completa, totalmente exangue, a actual cambada de contribuintes patetas e patéticos que, em desespero de causa, insiste penosa e estupidamente em alimentar os insaciáveis apetites dos agora orgulhosos, pedantes e eternamente gulosos servidores do Estado. Parece que o lendária Papão ainda estará bem presente e eficaz entre nós !!
Confesso que não entendo tamanha demonstração de tanta ingenuidade, vinda de um povo que na sua história gloriosa, soube eficazmente lutar pela defesa da sua soberania e dos seus direitos. Até dói saber tudo isso e ainda mais, quando assistimos a uma autêntica e generalizada letargia popular que se limita a observar e sofrer sem reagir apesar de ter legitimidade para tal.
Como diz o sábio povo : Pode-se enganar muito gente durante muito tempo, mas nunca toda a gente o tempo todo. Ninguém pode duvidar que o verdadeiro futuro passa pela implantação de mudanças tão profundas como radicais. Mãos à obra.