Pela louvável e corajosa iniciativa do recém empossado Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. António Marinho, o fantasma da corrupção voltou a estar na ordem do dia, para regozijo de alguns e incómodo de outros. Os que podem sentir-se satisfeitos pelo regresso do já reaquecido tema, são precisamente aqueles que têm alguma vergonha na cara, mas que, por não terem o necessário poder entre mãos para agirem eficientemente, se sentem impotentes perante esta calamitosa situação. Quanto aos que se sentem incomodados pelo regresso deste tema à praça pública, são evidentemente todos aqueles que estão implicados nesta gigantesca teia de partilha de interesses pessoais e colectivos e que estão conscientes e receosos de que a hora da verdade acabe um dia por soar mais alto. O que não deixa todavia de ser bastante elucidativo e constrangedor nesta fase da reintrodução deste tão malcheiroso assunto, é o ar e a linguagem verdadeiramente ofendidos de alguns que, por enquanto, se limitam a tentar descreditar a figura e a pessoa do Bastonário Marinho, dizendo que quem acusa sem citar nomes e factos concretos, não pode ser levado a sério, deixando mesmo no ar, uma pseudo ameaça de queixa por difamação. Ora, como diz o povo, quem não deve não teme. Portanto, no meu humilde entender, qualquer cidadão, seja ele anónimo ou a fortiori, ligado ao poder político, deveria logicamente sentir-se satisfeito por poder participar activamente na luta contra este maldito cancro das sociedades modernas, pela simples razão de que as gravíssimas consequências da corrupção tocam a cada um de nós, sem excepções. Salvo erro, desde o 25 de Abril de 1974, nunca ninguém investido de poderes legais e representativos para tal, teve a coragem e a lucidez suficientes para criticar tão dura e abertamente, com dados e factos concretos, a nossa real e pouca honrada situação da justiça. Pouca honrada pelo simples facto de que, por exemplo, com um tão elevado número de situações de obras públicas, sujeitos ou não a concurso, em que o valor orçamentado fica inequivocamente multiplicado pelo dobro, triplo ou ainda mais, como foi efectivamente o caso da famigerada “Casa da Música” na cidade invicta, nunca haja rigorosamente ninguém levado à barra do tribunal e ainda menos condenado e preso por corrupção activa, com obrigação de repor, em favor do tesouro público, as verbas ilegalmente arrecadadas. Temos portanto que chegar a um consenso: se houvesse de facto no país, uma justiça diferente da actual, mais célere, mais eficiente e sobretudo mais independente, nunca poderiam existir as gritantes e vergonhosas situações de total impunidade, a que todo um povo infelizmente impotente assiste. Uma das maiores provas de que o tema da corrupção é desconfortável e altamente perigoso para alguns, (leia-se muitos) encontra-se no afastamento apressado do conhecido deputado e antigo ministro das obras públicas do PS, João Cravinho, que quis publicamente fazer da problemática situação da corrupção, o seu principal cavalo de batalha. O todo poderoso governo, apoiado pelo partido que o sustenta, o próprio PS, decidiu transferir de imediato o dito deputado para Londres, ou seja, longe, bem longe da cena política nacional. Palavras para quê ?
Agora uma coisa é certa, sabendo-se que quando ferido, um animal se torna muito mais perigoso, todos os cuidados serão poucos para o Sr. Bastonário, a partir de agora, até ao fim do seu mandato e certamente depois, por além de tudo isso, ter afirmado, com a devida solenidade, que “a justiça tem sido forte contra os fracos e fraca contra os fortes”. Todos aqueles que, a custo de repetidas e proveitosas atitudes corruptas, se enriqueceram pessoal e desmedidamente, não irão de ânimo leve pôr em risco essa acumulação de privilégios e de riqueza ilícita, nem um nome que ainda permaneça intocado.
O apelo da Procuradora geral adjunta, Dra Maria José Morgado, para que o grande público venha denunciar abertamente os conhecimentos e/ou provas de tais procedimentos, poderia de facto ser extremamente eficaz e perigoso para os muitos implicados, se a Justiça, no seu conjunto, tivesse verdadeiramente o poder nas suas mãos para poder julgar em plena liberdade e imparcialidade.
Mais uma vez, encontramos um assunto, em que, por um lado, a já lendária indolência de um povo e por outro, a sua lamentável não implicação directa nos assuntos que a todos dizem respeito, favorece inexoravelmente a existência destas aberrantes ilegalidades e a não menos escandalosa situação de total impunidade que salvaguarda o “bom nome” e interesses dos muitos prevaricadores. Se e quando um povo quer de facto viver numa verdadeira democracia, ninguém no seu lugar poderá fazer e empreender o que só a ele realmente compete: Agir.
1 comentário:
Pois é, o mal é que sofremos todos com os efeitos negativos destas maléficas práticas, mas ninguém quer se dar o trabalho de meixer uma palha. Resultado, temos um misto de cobardia com comodismo, que só serve os interesses pessoais dos beneficiários dessa perigosa doença dos tempos modernos. Gostei. Aguardo por mais. Miguel Serrano.
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