segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A surpreendente e misteriosa força da Nacionalidade

Como se sabe, quando nascemos, é-nos atribuído, com carácter legal e sistemático, salvo excepções, a nacionalidade do país onde ocorre o referido acontecimento.
Ou seja, não há lugar para uma eventual preferência nossa, qualquer escolha, ou qualquer outra forma de expressão de vontade própria. Portanto, quem nasce, por exemplo em Portugal, para já, é português. Ponto final.
Continuando nos meandros dessa casualidade, também não somos, nem tidos nem achados, quanto à escolha dos nossos progenitores, nem intervimos em nada no processo selectivo dos nossos genes, que determinam tanto o nosso lado físico, como por exemplo a cor da pele, como o nosso lado intelectual, que incluí nomeadamente o nosso Q.I. Tendo essa realidade em consideração, não deveríamos, à partida, sentirmo-nos particularmente orgulhosos de nascermos: “gregos ou troianos”, por decreto ! Porque é bem de lei e de legalidade que se trata neste caso !
Uma vez consumada a atribuição dessa nacionalidade, vamos ter de viver com ela, normalmente até ao fim. Agora, existem de facto várias maneiras de sentir e exteriorizar essa nacionalidade ao longo do tempo e de acordo com as circunstâncias. Podemos encontrar diversas formas de viver essa realidade, meramente administrativa, com mais ou menos intensidade, racionalidade e/ou mais ou menos apego, que vai da assimilação silenciosa, à demonstração de um certo orgulho de ser “grego ou troiano”, até ao nacionalismo dito exacerbado, que incorpora habitualmente motivos e ingredientes, capazes de levar a desacatos, violência, violência extrema, guerra e crime puro e simples, quando não genocídio. A nossa história colectiva está repleta de exemplos que corroboram essa dura realidade. Também há formas individuais e colectivas de provar e exibir este orgulho oscilante de nacionalidade, consoante se trate de defender uma bandeira, no sentido militar do termo, ou preferir e incentivar uma equipa desportiva, face a um adversário internacional, cuja nacionalidade difere forçosamente da nossa.
No decorrer do famigerado europeu de futebol de 2004 que teve lugar em Portugal, a esmagadora maioria dos portugueses, atendeu ao especial e invulgar pedido proferido pelo seleccionador nacional (embora sendo ele estrangeiro, porque brasileiro), colocando bandeiras portuguesas nas janelas e varandas das casas de todo o país, de Norte a Sul. Embora essa grandiosa exibição nacional se tenha revelado, antes do mais, profundamente pacífica, serviu para exacerbar espantosamente um orgulho que se encontrava, há que tempo, adormecido na mente e nos corações dos portugueses. Como toda a gente se lembra, essa inusitada euforia foi crescendo, na medida em que a equipa das quinas eliminava um a um os seus adversários, até se alinhar no relvado para disputar uma esperada e mais do que ambicionada final. Talvez e compreensivelmente por se ter desejado, ambicionado e desmedidamente sonhado numa vitória que só podia obviamente ser dos “tugas”, enorme foi a decepção e infinitamente maior foi a tristeza dos nacionais, quando o sonho abortou, precisamente no momento em que soou o apito final que consagrava a vitoria do nosso adversário, sem apelo nem agravo. Pior ainda, foi o depois, quando todos os que desejaram, sonharam e ambicionaram essa vitória, se sentiram novamente reduzidos à sua real e anterior dimensão, de onde só nas páginas que compõem os livros de História, encontramos datas, factos e lugares, que ajudaram a dar lugar ao conhecido orgulho nacional.
Importa agora analisar friamente e sem preconceitos o que poderá justificar, ou não, se for o caso, as premissas deste orgulho, pedra basilar do já referido nacionalismo. Se, de facto, não interviemos minimamente no percurso e na composição da nossa História colectiva, na escolha dos nossos progenitores, dos nossos genes, nem tão pouco no nome da terra que nos viu nascer, podemos então questionarmo-nos sobre as verdadeiras razões que nos levam a sentir e exteriorizar implicitamente uma inquestionável vaidade e uma reforçada altivez, quanto ao amor de uma bandeira nacional, que por vezes chegam mesmo, aliás, a ultrapassar os limites da “razoabilidade” e do comedimento.
Finalmente, parece que nos sentimos única e simplesmente orgulhosos do que os outros fizeram, ou seja da obra feita pelos nossos predecessores e outros contemporâneos. Não temos decididamente nada nosso, que seja susceptível de suscitar legitimamente um orgulho de âmbito nacional.
Muito curiosamente, enquanto evidenciamos, ruidosamente ou não, o nosso próprio orgulho do país em questão, sua respectiva bandeira e demais índices inerentes, com uma tendência agravada para colocar o todo num egocentrismo que queremos tão óbvio como lógico, somos raramente capazes de ver, entender e aceitar que um qualquer habitante, de qualquer outro país/nação, um portador de uma qualquer bandeira, possam, com a mesma igualdade de direito e plena legitimidade, reivindicar igual pretensão, igual orgulho, igual vaidade ou altivez. Daí os ocasionais incentivos aos desacatos físicos entre facções que, muitas vezes, de simples rivais e adversárias, passam a assimilar-se ao papel do “perfeitos” inimigos!!
Se, para concluir, somos todos iguais no aspecto da legitimidade do nosso orgulho, por possuirmos razões idênticas a qualquer outro estrangeiro, ou seja, igualmente idênticas a todos os homens e mulheres que compõem as populações dos numerosos países, qual será em definitivo o fundamento desse surpreendente e bem estranho nacionalismo, cujas consequências são infelizmente para todos nós, mais frequentemente negativas que positivas ??? Pela minha parte, só posso lamentar sentir-me isolado neste raciocínio.

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