terça-feira, 25 de março de 2008

Esperança e realidade,

Abril, que brevemente se irá novamente festejar, foi para todo um povo, sinónimo de esperança para uma vida em liberdade numa sociedade mais justa e onde a qualidade de vida passaria de uma simples miragem para uma desejada e merecida realidade. Em 1986, doze anos depois da festa dos cravos e graças à entrada de Portugal na U.E, voltou a nascer uma nova esperança no coração deste povo. Passados estes longos trinta e quatro anos sobre o despertar dessas redobradas e não menos legítimas esperanças, importa ter a coragem de lançar um olhar sobre o caminho percorrido desde então.
Para isso e da mesma forma que a RTP soube promover a eleição do “maior português de sempre,” abrindo assim um importante debate à escala nacional, essa mesma RTP, poderia proporcionar com a mesma eficácia e visibilidade, uma recolha generalizada de opiniões dos portugueses, relativamente ao despertar, vida e morte anunciada das esperanças atrás mencionadas.

Não é por alguns sectores da sociedade terem de facto progredido, graças à ajuda dos milhões de milhões de Euros recebidos de Bruxelas, que se deve precipitadamente concluir, que os louros desse mesmo progresso, são da exclusiva responsabilidade dos sucessivos e numerosos governos que já passaram por São Bento. Convém sobretudo não nos esquecermos, que, em contrapartida, nos outros restantes sectores da sociedade portuguesa, muito pouco se tem conseguido de positivo, face às incomensuráveis e mais do que justificadas expectativas, criadas aliás com toda a legitimidade. É caso para a colectividade perguntar: onde estão afinal hoje, os genuínos e verdadeiros motivos para que possamos sentir um profundo orgulho da “obra realizada” em benefício dos portugueses, desde 1974? Além de uma incontestável maior liberdade de pensamento e de movimento e outras conhecidas conquistas decretadas a partir dessa data, Abril proporcionou igualmente a abertura de uma janela sobre a Europa e o mundo, que permitiu descobrir quão diferente podia ser o grau de desenvolvimento, entre a sociedade portuguesa da altura, comparativamente com as suas congéneres europeias, entre outras.

Com o passar do tempo e tendo em conta a introdução das numerosas mudanças operadas na sociedade civil, torna-se imprescindível tirar proveito dessa ainda recente liberdade de expressão, deixando exprimir-se as pessoas do povo, os portugueses anónimos, sobre o balanço colectivo e individual de trinta e quatro anos de Democracia. Se considerarmos que, entretanto, o mundo entrou precipitadamente numa nova era, a da globalização, sem que a economia nacional estivesse minimamente preparada para tal embate, não seria de admirar que muito gente tivesse a coragem de pensar e dizer que, afinal, as ditas conquistas da revolução dos cravos, saíram muito caras, talvez mesmo demasiado caras ao contribuinte anónimo.
Quem nos garante hoje, que na sequência dessa globalização claramente imposta, já que ela não foi desejada, e considerando o estado de saúde da nossa real economia, assim como o das finanças públicas, não possamos vir a assistir nos próximos tempos, a um retrocesso generalizado que poderá prejudicar ainda mais a nossa já debilitada situação económica?

É nomeadamente a pensar nessa possibilidade, talvez mesmo inelutável, que não podemos nem devemos deixar-nos ludibriar pelos habituais discursos triunfalistas, autoritários e arrogantes dos governantes, que aparentemente, nunca colocaram como prioridade absoluta, o imprescindível aumento de qualidade do nível de vida e de felicidade da população.

Seja pela participação dos senhores e donos da política, ou dos muitos comentadores que abundam na nossa praça, é surpreendente que, após tanto anos de debates televisivos, tantas mesas redondas e quadradas, tantas análises, tão sábias como exaustivas, tanta pertinência, tanta sabedoria, tanta certeza e tanto poder de dissuasão, ninguém tenha sido capaz de ouvir convenientemente estes magos das ciências exactas e abstractas, de forma a fazer reverter estas sábias lições em beneficio de Portugal e da sua sacrificada população !!

Ninguém pode contestar o facto de que, esta nação, outrora gloriosa, sofre de um mal profundo, que consiste invariavelmente em sobrepor o discurso aos actos. Enquanto se inflaciona as palavras e as belas intenções, os actos nunca chegam a vias de facto. Por causa de tudo isso, o país vive com os pernas enlameadas até os joelhos, no cada vez mais profundo pântano das inúmeras e eternas promessas não cumpridas.
Paradoxalmente, sempre que a sociedade entra numa nova campanha eleitoral, verificamos que existe teimosamente uma grande quantidade de irredutíveis, incondicionalmente defensores de uma determinada cor política, que gritam até que a voz lhes doa, em favor dos candidatos afectos a essa mesma cor. Curiosamente, uma vez os candidatos transformados em eleitos, os mesmos irredutíveis continuam incansavelmente a gritar, mas desta vez, para ostentar desespero e descontentamento, por não receber e beneficiar o fruto das promessas ruidosamente divulgadas durante a campanha. Uma coisa é certa, a situação dos portugueses tem-se agravado substancial e inexoravelmente e não é de admirar que a esmagadora maioria da população se vá desligando pouco a pouco da política nacional, das suas instituições e dos seus governantes, julgados responsáveis directos dos actuais males da sociedade. No dia em que já não houver mais buracos no cinto para poder aperta-lo, soará finalmente a hora de aperto para o conjunto dos vendedores de banha de cobra, que gozaram de uma total e vergonhosa impunidade durante demasiado tempo, enquanto os “paus mandados” sofriam e se sacrificavam para proveito de uma classe de dirigentes sem escrúpulos, ávidos de boas coisas e de uma boa vida.
Talvez o maior erro dos governantes tenha sido acreditar que a lendária passividade da população seria eterna, porque a cobardia e o medo sobrepor-se-iam à coragem e à ousadia, ambas indispensáveis para o povo poder interferir directamente no seu próprio futuro.

Oxalá este povo saiba reclamar eficaz e inteligentemente os seus legítimos direitos, de uma forma segura e duradoira, sem todavia cair na tentação de procurar vingar-se junto dos responsáveis pelo seu insuportável e injusto sofrimento.

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