segunda-feira, 17 de março de 2008

O Estado no banco dos réus,

Como já foi aqui debatido, todos sabemos e lamentámos, que o Estado deixa de ser uma pessoa de bem, a partir do momento em que não honra o seu papel de entidade suprema da nação, nomeadamente, quando resolve não assumir as responsabilidades que lhe são inerentes, sobretudo, se tivermos em conta a sua solene obrigação de ser o primeiro a dar o bom exemplo, em nome da ética e da moral pública, assim como, a bem da nação.
Efectivamente, quando o Estado resolveu tomar a inesperada e surpreendente decisão de descriminalisar a emissão de cheques em situação de falta e/ou insuficiência de provisão, invocando como justificação, a necessidade de descongestionar os tribunais, o próprio Estado cometeu um crime de lesa património, no âmbito da economia nacional e cujas consequências atingem hoje em dia, em termos de tesouraria e de falta de liquidez, níveis perfeitamente insustentáveis para a maior parte dos agentes económicos.
Olhando para este assunto do ponto de vista teórico, parece no mínimo obvio, que o Estado tem por obrigação conhecer exaustivamente todas as consequências que podem resultar da aplicação de uma nova legislação, sobretudo quando se trata de alterar uma lei já existente. A lógica de tal iniciativa, subentende que só se justifica proceder a uma qualquer alteração, se for comprovadamente garantido um melhoramento sensível da mesma e nunca o contrário.
Depois da teoria, passemos então a prática. Uma vez publicada, essa nova legislação permite que qualquer pessoa, seja por conveniência própria, seja ainda por descuido, que venha a emitir cheques sem provisão, já não corra o risco de vir a ser perseguida penalmente. Arrisca-se todavia, em caso de não justificação e não regularização atempada, a ficar proibido pelo Banco de Portugal de requisitar novos cheques.
Vamos agora analisar quais as consequências (contudo previsíveis), desta manipulação legislativa :
Em primeiro lugar, criou-se um precedente, aliás tão descabido como perigoso, pela simples razão que deixou a porta aberta a diversas formas de abusos e de malversações, num mercado que já sofria dos efeitos negativos de uma conjuntura desfavorável aos agentes económicos, em geral.
Em segundo lugar, esses mesmos agentes económicos, conhecedores de uma já lendária lentidão da máquina judiciária, passaram a recear, que, em caso de multiplicação abusiva e descontrolada de cheques sem provisão, já não pudessem confrontar os respectivos sacadores com uma, então temida acção penal, pelo simples facto de que a referida emissão de cheques sem provisão, deixara inadvertida e “milagrosamente” de ser crime !!! O que equivale a dizer que, enquanto se “encoraja” a prática de burla, penaliza-se forte e injustamente o burlado.
Passados poucos anos, após a entrada em vigor da referida manipulação legislativa, importa proceder a um balanço simplificado da actual situação.
Como era redondamente previsível, a emissão de cheques sem provisão banalizou-se e disparou literalmente para números tão graves como assustadores. As razões de tal agravamento, prendem-se com o facto de que, num país de reduzidas dimensões, onde todos ou quase todos se conhecem e tudo se sabe, a situação de “impunidade” dos sacadores faltosos, chega rapidamente ao conhecimento de todos. Sendo assim, não será de admirar que haja um número cada vez maior de empresas, principalmente aquelas de média e pequenas dimensões, que ficam regularmente confrontadas com a devolução de cheques sem cobertura dos seus clientes. Um dos efeitos imediatos dessa impunidade, é o da bola de neve !
Claro, que sempre que isso acontece, permanece a “possibilidade” do burlado confiar o caso ao advogado, que, logo à partida, poderá pedir o pagamento de uma provisão de valor igual ou superior ao próprio valor do cheque sem provisão. Caso o valor do cheque valha a pena e justifique custear simultaneamente advogado e justiça, o infeliz burlado deverá armar-se de paciência, para puder aguentar os anos de espera, necessários à pronúncia de uma decisão definitiva, vinda do tribunal competente, se, como vem sendo habitual, o caso não prescrever entretanto.
Caso o burlado prefira optar (nos grandes centros urbanos exclusivamente) pelo recurso às Secretarias das Injunções, deverá em primeiro lugar informar-se convenientemente sobre as reais hipóteses de sucesso que tal recurso poderá eventualmente proporcionar-lhe. Uma coisa é certa, aquando da entrega de cada caso no balcão das referidas Secretarias e antes de saber qualquer resultado, deverá proceder ao pagamento das respectivas taxas, (% sobre o valor devido cujo montante é aliás limitado por lei). Como não podia deixar de ser, também neste caso, o infeliz burlado deverá armar-se de muita paciência, até se verificar uma qualquer resolução, se tal vier a acontecer.
Ou seja, em qualquer dos casos, além dos prejuízos directos causados pelos burlões, o burlado, ainda deverá suportar os custos bancários da devolução do(s) cheque(s), assim como, os dos restantes encargos exigidos por advogados, justiça e Secretarias, etc, etc

Caso ainda não se sinta satisfeito com a referida lentidão da Justiça e suas reduzidas hipóteses de sucesso, existe a possibilidade do burlado contratar os serviços de uma empresa especializada em cobranças difíceis e aceitar, em caso de cobrança, receber sensivelmente a metade do valor que lhe era inicialmente devido; sendo certo que a outra metade representa o valor do trabalho da empresa de cobrança. Caso se opte por tal solução, ainda persiste o risco de vir a ser burlado pela tal empresa de cobrança que, se não for idónea, poderá de facto receber com sucesso os créditos mal parados e guardar pura e simplesmente para ela, o fruto das referidas cobranças. Se tal vier a acontecer, o único caminho legal, será proceder a uma queixa crime e aguardar pacientemente que a Justiça faça o seu trabalho.
Para completar este já triste panorama, o facto do burlado não ter recebido o valor da sua transação comercial, não o isenta da estrita obrigação de entregar o valor do IVA ao Estado. Caso não o faça atempadamente, deverá então pagar uma multa igual a 20% do valor em causa.
Conclusão: O mercado nacional encontra-se gravemente afectado com o acumular dessas insustentáveis situações e compete ao agente económico encontrar (talvez na caixa de pandora), as soluções supostas reduzir ou eliminar os elevados risco em causa, numa situação de total indiferença da parte do Estado, directamente responsável pela degradação efectiva das anteriores condições.
Muito curiosamente, na sequência do encerramento da actividade de um agente económico, resultante do agravamento das suas condições financeiras, o próprio Estado ficará por sua vez prejudicado por não poder receber todo ou parte das verbas que lhe são devidas, no âmbito da lei fiscal. Outra consequência igualmente negativa: um número cada vez maior de empresas estrangeiras preferem não ser representadas em Portugal face à existência de elevados riscos ligados à cobrança das respectivas facturas.
Assim, perde o agente, perde o Estado e perde o país !!
Basta de incompetência e de leviandade, por parte de quem compete proteger os interessas do contribuinte e do país.

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