quarta-feira, 12 de março de 2008

Quando o jornalismo rima com sadismo,

A profissão de jornalista, consiste principalmente em encontrar, seleccionar e comunicar acontecimentos que, por serem considerados invulgares, mas actualmente, também cada vez mais chocantes, merecem ser levados ao conhecimento do chamado grande público. Uma vez completada a recolha dos últimos acontecimentos ocorridos à escala planetária, importa seleccionar os que, em função da linha editorial, terão lugar no suporte noticioso, seja ele televisivo, imprensa escrita ou falada. A referida linha editorial, obedece necessariamente a regras e critérios ditados pela administração, que, por sua vez, tem que prestar contas à entidade patronal e accionistas. Sabendo que a comunicação social pertence ao mundo dos negócios, não será difícil entender que a rentabilidade e o lucro financeiro representem a prioridade das prioridades. Por outras palavras, o que importa é ganhar dinheiro, muito dinheiro, ganhar o mais possível.
Tendo em conta a permanente necessidade do ser humano de sentir-se bem e reconfortado, os jornalistas resolveram bombardear o cliente com uma rigorosa selecção de más e péssimas notícias, preferencialmente a partir da primeira página, e sempre escritas com letras gordas; sabendo que, quanto pior são estas notícias, melhor será para as vendas.
Assim, a esmagadora maioria das notícias publicadas, falam e exibem sem pudor, de tudo o que é hediondo, horrível, assustador, abominável, aterrador, sangrento e, sempre que possível, reforçado com imagens que não deixam margem para dúvidas. O teor dos assuntos focados, é praticamente sempre o mesmo: Atentados bombistas, suicídios ou não e seu lote de mortes e de feridos ensanguentados. Incêndios, inundações, terramotos, tsunamis e outros cataclismos que matam muitos de uma só vez, deixando impressionantes rastos de destruição e de desolação. Criminalidade violenta, com os seus inevitáveis mortos e feridos. Acidentes de mil e uma espécies, com preferencia para os que incluem veículos irreconhecíveis após os respectivos embates. Assaltos à mão armada, com tomada de reféns. Violência doméstica e suas marcas bem visíveis. Violência sexual, com seu inseparável lote de menores abusados por autênticos doentes que circulam inexplicavelmente em plena liberdade. Raptos de crianças, entre outros, que são normalmente encontradas mortas e abusadas. Roubos e desvios de dinheiro, sem esquecer esta nova moda importada, o denominado “Carjacking”, roubo de carros com recurso a violência extrema. Os assuntos de corrupção, activa e passiva, que implicam frequentemente nomes sempre sonantes, mas que nunca chegam a ser verdadeiramente incomodados por uma Justiça, essencialmente eficaz contra os pobres e os fracos. Sempre que possível, pormenores mórbidos dos chamados suicídios, que resolveram por fim à vida por motivos nem sempre descobertos. Tudo isso, sempre acompanhado de palavras empolgantes, fortes, assustadoras, especialmente escolhidas para reforçar ainda mais a notícia. Quando esgotados estes assuntos, fala-se e escreve-se então sobre as intermináveis lutas intestinas dos partidos políticos e da permanente “guerra” existente entre cada um deles. Os restantes espaços noticiosos ficam reservados para o emblemático mundo do desporto (perdão, do futebol), cuja informação se assemelha a uma verdadeira ditadura relativamente às outras disciplinas desportivas.
Um dos efeitos psicológicos que esta constante e infindável diarreia de más e péssimas notícias produz no conjunto de telespectadores, leitores e no ouvintes, é o de transmitir a ideia de que o asar bate normalmente à porta alheia. A consequência lógica e imediata, também reside no facto de que essa ideia transmite, simultaneamente, um sentimento de tranquilidade, pessoal e individual, pela simples razão de que, mais uma vez, esta longa sucessão de asares não lhe era destinado !! Daí a transformar esse alívio em sentimento de “segurança”, é um passo.
Ou seja, paradoxalmente, saber da infelicidade dos “outros” faz nos sentir “bem”. Quanto mais anónimos, os tais “outros”, melhor !!
Tendo plena consciência dessa realidade, os jornalistas, por fazerem uso exaustivo dessa mania de seleccionar meticulosamente estas más notícias, oriundas do mundo inteiro e publicá-las, correm seriamente o risco de serem acusados de uma inequívoca demonstração de um indisfarçável sadismo que, estranhamente, encontra facilmente o seu eco nas profundezas insondáveis do contrapeso humano, o denominado masoquismo aliado ao irresistível voyeurismo. Seja ele do telespectador, leitor ou ouvinte.
Só é pena que o imprescindível conhecimento da deontologia própria da profissão de jornalista, assim como o seu devido e incondicional respeito, não tenham meios e forças suficientes para inflectir essa lamentável tendência e encaminhá-la progressivamente em direcção a uma renovada forma de jornalismo, sensibilizada pela absoluta necessidade de divulgar notícias, transmissoras de uma verdadeira felicidade e alegria particularmente contagiantes.
Quem disse que o ser humano não compraria muito mais notícias anunciadoras de bem estar e de beatitude comunicativas ?? Se eu fosse jornalista, pensaria nisso, pelo menos duas vezes !!
Creio que se assim fosse, o mundo inteiro se portaria imensamente melhor, muitíssimo melhor e até agradeceria!

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